Ópera Romântica: «Sansão e Dalila»
·
Criação em 1877, estreia em 1892 na Ópera Garnier,
em Paris
·
Ópera em três atos
·
Música de Camille Saint-Saëns (1835-1921)
·
Libreto Ferdinand Lemaire
|
Características da Ópera Romântica (1800-1850)
Durante o romantismo, tudo começou a aumentar na ópera: as vozes, as
dimensões da orquestra, as salas e o público, sem falar na emoção. Mesmo se -
ou talvez graças ao facto de – o Romantismo Musical não ter alcançado a
notoriedade do Romantismo Literário, os grandes autores românticos deixaram a
sua marca própria na ópera. A ópera romântica virou as costas aos temas
clássicos e mitológicos interessando-se sobretudo pelos temas históricos e
folclóricos.
A mulher fatal encontra-se mais frequentemente nas
óperas italianas, francesas e alemãs do fim do século XIX princípios do
século XX. O exotismo desempenhou um papel importante na personificação da
mulher fatal na ópera onde ela vai surgir ainda mais sedutora… Assim, as
mulheres fatais bíblicas como Dalila, na ópera de Saint-Saëns, estavam
afastadas da vida real, tanto pela geografia como pela época. A mulher fatal
na ópera é sexy e exótica e a sua moral é geralmente de índole duvidosa.
Despreza os homens que seduz, mesmo se é alvo de um amor obsessivo; ela
corrompe e leva um homem bom à perdição; a mulher fatal nunca sai vitoriosa,
pelas perigosas transgressões que comete acaba por ser castigada com a morte.
|
BREVES NOTAS DIGNAS DE REFERÊNCIA
Orientalismo – No século
XIX, o tropismo na direção do Oriente conhece um grande desenvolvimento com
as campanhas napoleónicas que destilam o gosto do exotismo e do mistério
próprios de algumas sociedades. Pintores, escritores e poetas partem assim à
descoberta daquelas trazendo imagens constitutivas de uma gramática
artística. Ao escolher um tema inscrito num Oriente milenário, Saint-Saëns
participa neste enriquecimento do século dezanove com cores norte-africanas,
otomanas e levantinas.
O eleito à imagem de
Isaac, Jacob ou João-Batista, Sansão é um nazireu, um eleito de Deus. A sua vinda
ao mundo é um milagre pois a mãe era tida como estéril antes dele nascer. A
vida de um nazireu rege-se por toda uma série de princípios que o impedem de
beber álcool, de se aproximar de um morto ou ainda de cortar o cabelo. Por
causa destas interdições, Sansão deixa crescer o cabelo afirmando assim a sua
total submissão/obediência a Deus.
Género – Pelo seu
caráter religioso Sansão e Dalila poderia
ser assimilado a um oratório pois a história da música mostra-nos que o
tratamento deste tipo de tema não era adaptado à ópera. Todavia, Saint-Saëns
consegue compor uma partitura que escapa ao registo em que Bach e Haendel
melhor se ilustraram. A referência a estes dois mestres bem como a Richard
Wagner, seu contemporâneo, não pode contudo ser negada quando vemos o lugar
que o coro ocupa na sua obra
A tentadora – Saint-Saëns
desejou inicialmente intitular a sua ópera Dalila o que revela a importância
dada por ele a esta personagem. Como vários artistas do século XIX, dá vida à
ideia da mulher venenosa, fantasiada por Baudelaire, Gustave Moreau ou Óscar
Wilde. Ainda pouco frequentes nos palcos da época, os traços de carácter de
Dalila, a mulher tentadora, recordam em alguns pontos a Carmen de Bizet, dois
anos mais velha do que ela.
O Livro do
Juízes
– A vida de Sansão está relatada no Livro
dos Juízes, um dos livros da bíblia hebraica, que situa as suas aventuras
por volta de -1200, após a chegada dos hebreus à Terra Prometida. A
extraordinária força física, conferida pela sua eleição divina, leva Sansão
no decurso de vários episódios a vencer um leão ou ainda a matar um exército
de mil homens tendo como arma o maxilar de um burro. As Sagradas Escrituras
contam-nos ainda que antes de sucumbir a Dalila, Sansão fora casado e traído
pela primeira mulher.
|
Características Românticas na ópera de Camille
Saint-Saëns
·
Arte de inspiração cristã
|
História
bíblica (do Antigo Testamento - o judeu Sansão que se apaixona pela filisteia
Dalila)
|
·
O herói é desequilibrado, impetuoso, insatisfeito,
melancólico, revoltado
|
Sansão
oscila entre a defesa do seu povo escravizado pelos filisteus e a paixão que
sente por Dalila, uma mulher filisteia. Nessa oscilação, assistimos ao
desequilíbrio do herói.
|
·
O herói fatal traz a perdição a quem o ama
|
Neste
caso, temos de falar da heroína Dalila que traz a perdição a Sansão (finge
amá-lo para descobrir de onde lhe vem a força sobre-humana e depois
“roubá-la” através do corte de cabelo; Sansão é preso, é cegado e acaba por
fazer ruir o templo levando os filisteus e ele mesmo à morte)
|
·
Apresenta uma nova visão da mulher: demónio que
leva à perdição (mulher fatal)
|
Dalila
surge na obra como a mulher fatal que leva Sansão à morte.
|
·
Conflito entre o sentimento individual (amor) e a
sociedade
|
Sansão
ama Dalila, mas é o líder dos judeus, nele reside a aliança entre os judeus e
o seu Deus. Duas realidades que geram o conflito nesta história.
|
·
Contradição de sentimentos
|
Relacionado
com o ponto anterior, Sansão vive intensamente esta contradição que o faz
sofrer.
|
·
Busca do absoluto
|
Sansão
acaba por se entregar a Dalila e aí se perde ao perder o segredo da sua força
sobre-humana.
|
·
Morte
|
Já
cego e condenado, Sansão vai destruir o templo matando-se a si mesmo e aos
filisteus em plena bacanal.
|
·
Camille Saint-Saëns toma grandes liberdades em relação à
história bíblica e aborda-a de forma bastante humana (a ópera trata uma
pequeníssima parte dessa história bíblica);
·
O compositor detém-se pouco nos atos heróicos de Sansão
e na sua força física;
·
O compositor oculta os motivos mais conhecidos do
mito para se concentrar
nos interstícios, ie, no conflito
interior de Sansão que está destroçado entre o amor por uma mulher e o
seu dever, o seu papel de líder espiritual de um povo (Dalila faz parte do povo
inimigo e todos sabemos desde Romeu e
Julieta que quando os amantes se encontram numa tal situação não se podem
amar);
·
No segundo ato descobrimos uma Dalila movida pela vingança
(Sansão foi o único homem a abandoná-la) e nada pela cupidez (ganância
material); também descobrimos um Sansão pronto a fazer tudo por Dalila chegando mesmo a
dizer-lhe que poderia abandonar o seu povo por ela;
·
No terceiro ato, depois de ter traído
Sansão, Dalila finge estar do lado do seu povo, mas na realidade o que ela
mostra sentir é repugnância por essa violência e pela sociedade que gera essa
violência (vêmo-la chorar, sofrer atrás de Sansão);
·
O terceiro protagonista desta ópera e
deste drama é a comunidade; temos, dum lado, os judeus que surgem como o povo
escravizado e oprimido; do outro lado, temos os filisteus como povo opressor,
aproveitando a festa que é a bacanal, onde surgem mascarados, uma máscara que
revela toda a corrupção da sociedade a que pertencem, festejam ali o poder e a
sabedoria baseados na violência e na humilhação.
O amor fatal de Sansão
e Dalila na pintura
Paul-Albert Rouffio,
Samson et Dalila, 1874
|
Peter Paul Rubens, Samson et Dalila, 1609 |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O teu comentário será publicado após validação do proprietário do blogue.